Cirurgias de redesignação sexual: um novo campo de atuação médica

Matérias Por Conexão Médicos - 08/03/23

Já inclusos no SUS, procedimentos são alternativas para pessoas trans adequarem sua corporalidade à sua identidade de gênero.

As cirurgias de redesignação sexual têm por objetivo garantir que as pessoas transgênero, isto é, que não que se identificam com o gênero que lhes foi atribuído no nascimento, sintam-se em conformidade com a sua identidade. Trata-se, na prática, de um conjunto de procedimentos direcionados a remodelar a corporalidade da pessoa, em especial seus órgãos sexuais. No caso dos homens trans, pode envolver, por exemplo, a construção de um pênis no lugar da vagina e/ou retirada das mamas; nas mulheres trans, a subtração do pênis e construção da vagina e/ou colocação de próteses mamárias.

De acordo com o Dr. Pablo Novik, cirurgião ginecologista e colaborador na Residência em Ginecologia da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein, a transformação de concepções de gênero e sexualidade que vem sendo observada em todo o mundo significa para a medicina a abertura de um novo campo de atuação profissional. “Cada vez mais vamos nos deparar com a necessidade de profissionais que possam atender essas pessoas”, afirma ele, destacando que essa é uma área que demanda expertises multidisciplinares.

Até chegar à etapa dos procedimentos cirúrgicos, as pessoas passam por acompanhamento psiquiátrico e psicológico a fim de se assegurarem acerca do amadurecimento das questões relacionadas à identidade sexual e de gênero. A primeira etapa da transformação corporal ocorre por meio de tratamento hormonal supervisionado por endocrinologistas. Chegada a hora das intervenções cirúrgicas, são mobilizados cirurgiões, que contam, de acordo com cada caso, com o apoio de ginecologistas, urologistas, cirurgiões plásticos e otorrinolaringologistas.

“Nesse processo, existe outro agente que precisa ser citado: o tempo. É preciso tempo para que as ideias e as transformações efetuadas no corpo se sedimentem”, afirma o Dr. Pablo, que leva em seu currículo várias mastectomias masculinizadoras.

Desde 2008, cirurgias de redesignação sexual estão inclusas no Sistema Único de Saúde (SUS), garantindo que sejam efetuadas pelo Processo Transexualizador, previsto no artigo 2 da Portaria nº 2.803 do Ministério da Saúde. Pelo SUS, o paciente maior de 18 anos pode dar início à terapia hormonal. A partir dos 21, é possível realizar os procedimentos de readequação sexual, após todo o trâmite de acompanhamento e avaliações psicológicas.

Tratamento personalizado

O processo de redesignação sexual é sempre individualizado, ou seja, apesar de existirem uma espécie de ‘pacotes completos’ para mudança corporal para cada gênero (histerectomia, ooforectomia, faloplastia ou metoidioplastia, mastectomia masculinizadora para homens trans e vaginoplastia a partir da inversão peniana e mamoplastia de aumento para mulheres trans), cada paciente escolhe o que acha melhor para si.

“Um homem trans, por exemplo, pode decidir que não quer extrair seu útero, aceita bem a ideia de continuar menstruando e pode até mesmo querer engravidar no futuro. Alguns querem tirar a mama e outros não se importam de continuar com elas. Em contrapartida, temos mulheres trans que querem tirar o pênis e outras que não se importam em tê-lo”, explica o Dr. Pablo, apontando vários tipos de combinações possíveis de procedimentos que podem ser feitos em função do desejo e necessidade de cada paciente.

“O universo da transexualidade é muito rico e complexo”, pontua o Dr. Pablo. Ele ressalta, ainda, a especificidade anatômica de cada paciente. Por exemplo, como existem vários formatos de mamas, há também diferentes técnicas que podem ser adotadas na remoção visando à preservação ou não do complexo areolopapilar e o favorecimento do processo de cicatrização. “Além disso, temos de levar em consideração que estamos lidando com uma série de histórias individuais. E cada história é um processo contínuo. Hoje o interesse da pessoa é modificar a mama. Amanhã, ela vai querer alterar o tom de voz, algo que vai mobilizar um cirurgião de cabeça e pescoço ou um otorrino para mudar suas cordas vocais”, exemplifica ele.

No Brasil, já existem diversos grupos multidisciplinares bastante amadurecidos nessa área, particularmente organizados em torno de instituições de ensino. Em São Paulo, se sobressaem os grupos do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, da Santa Casa, da Universidade Federal de São Paulo e da Medicina da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein.

“Aqui no país temos médicos muitos bons e capacidade técnica para nos tornar um grande polo especializado na redesignação de gênero”, avalia o Dr. Pablo. “Porém, mais do que profissionais habilitados para atuar nessa área, é importante que as pessoas possam contar com um centro de acolhimento e atendimento especializado, capaz de oferecer um conjunto de recursos médicos e não médicos para garantir a plenitude da sua saúde física e mental”, encerra o Dr. Pablo.

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