Muito prazer, Dr. Virgilio Centurion

Perfil Por Conexão Médicos - 28/02/24

Nascido no Paraguai, o Dr. Virgilio veio para o Brasil aos 17 anos para estudar na Escola Paulista de Medicina (atual Unifesp) e por aqui ficou. Fundador e proprietário do Instituto de Moléstias Oculares, há mais de 50 anos dedica-se à Oftalmologia, sendo uma referência em cirurgia de catarata. Autor de 16 livros sobre o tema e um “rato de congressos”, na sua própria definição, ele conta nesta entrevista o curioso caminho que o levou a escolher a especialidade, fala dos imensos avanços da área e também de amenidades, como o hábito de ouvir música clássica praticamente em tempo integral. Confira.

Por que optou por se especializar em Oftalmologia?

Essa é uma história para ser contada bebendo uísque, apesar de eu não beber (risos). Entre o segundo e o terceiro ano de Medicina, comecei a ficar entusiasmado com cirurgia cardíaca. Era uma época mais romântica, momento em que apareceram os transplantes. Eu fazia estágios voluntários e fui gostando muito dessa área. Acabei o curso em 1967 e fui para a Residência. Não tinha decidido ainda o que fazer, mas pensei: ‘provavelmente será cirurgia cardíaca’. Contudo, durante o 1º ano da Residência, atuei um mês em Terapia Intensiva e Emergência, o que chamou minha atenção para uma característica que tenho: preciso dormir menos que a maioria das pessoas. Durmo e acordo cedo. São cerca de 4 a 5 horas por dia, menos que a média das pessoas. Foi aí que percebi que não poderia trabalhar em nenhuma especialidade com grandes grupos de profissionais envolvidos, com horários intermináveis e plantões. Comecei a procurar especialidades compatíveis e cheguei à Oftalmologia, que foi uma das escolhas que fiz na minha vida. Eu adoro ser oftalmologista. É uma especialidade fantástica. Você atende todos os grupos etários e ainda pode focar em alguns. Pode ser cirurgião, clínico, clínico-cirurgião... Existem 12 subespecialidades na Oftalmologia. Só na minha clínica tem nove. Tem gente que só faz oftalmopediatria, estrabismo, catarata, glaucoma, retina, oculoplástica, clínica cirúrgica, oncologia. Pode também ser um cientista ou um acadêmico. É uma belíssima especialidade, que ainda por cima não atrapalha meu sono.

Ao longo dos seus 50 anos de carreira, quais foram as principais mudanças na área?

A Oftalmologia está muito ligada à tecnologia. Trata-se de algo fantástico, mas que também se tornou um desafio, pois exige investimentos elevados. Montar um consultório com todos os equipamentos que você pode ter só se consegue juntando uns dez profissionais para investir. E essa tecnologia muda a cada cinco anos. Existe uma frase segundo a qual ‘a saúde não tem preço, mas a medicina tem custo’. Esse custo tem ficado cada vez mais alto.

O perfil dos pacientes também mudou?

Atualmente, as pessoas vivem mais e com mais qualidade de vida e isso se reflete no perfil dos pacientes, inclusive nos mais idosos. Hoje são indivíduos ativos, produtivos e que valorizam mais a saúde ocular. A Oftalmologia acompanhou isso. A cirurgia de catarata, por exemplo, era feita com anestesia geral, e o paciente ficava sete dias internado sem sair da cama. Depois passou a ser usada uma anestesia de bloqueio. Tirávamos a catarata e deixávamos o paciente com óculos, às vezes com 10 ou 12 graus de hipermetropia, o tal ‘fundo de garrafa’. Hoje o paciente opera, volta no mesmo dia para casa e em cerca de uma semana já está enxergando bem de novo. Nesses 50 anos, mudei cinco vezes meu estilo de operar catarata. Nos primórdios, era a cirurgia intracapsular. Depois, a extracapsular, menos agressiva. Paralelamente, apareceram as lentes intraoculares, que foram sendo aprimoradas. Hoje usamos lentes que têm a capacidade de corrigir a visão em todas as distâncias. 

Quais os principais problemas que levam os pacientes a procurá-lo?

As queixas dependem do estilo de vida e idade. As crianças precisam passar por exames oftalmológicos antes de ingressar na escola. Esses exames deveriam se repetir anualmente ou pelo menos a cada dois anos. A partir dos 14, 15 e 16 anos, a miopia é um problema que fica mais evidente. Nos adultos jovens, são mais comuns os vícios de refração. Muitos nos procuram porque óculos incomodam e procuram opções, como lentes de contato ou cirurgia corretiva. Entre os 40 e 50 anos, chega geralmente a presbiopia e outras doenças, como o glaucoma, que vem acompanhado da alteração da pressão intraocular. Quando não tratado, evolui para cegueira. Quem passou dos 50 não costuma enxergar nem de longe nem de perto, podendo desenvolver catarata no futuro. Existem ainda as condições clínicas que podem impactar a visão, como hipertensão e diabetes. Enfim, os oftalmologistas precisam fazer parte do check-up de saúde. Os pacientes devem fazer uma consulta oftalmológica pelo menos uma vez por ano. 

As crianças merecem cuidados extras?

As crianças devem ser sempre bem examinadas. Quando nascem, elas não têm uma visão útil como o adulto. Quando completam em torno de oito semanas, começam a acompanhar o movimento dos pais. Aí eles dizem: ‘está me reconhecendo’, isto é, a criança está começando a fixar a visão em objetos. À medida que essa fixação fica mais firme, podemos acompanhar a evolução do olho da criança em um ciclo que se completa entre os cinco e sete anos de idade. Se a criança não acompanha os movimentos dos objetos, pode ser que tenha um problema congênito de visão ou alguma outra anormalidade. Se os pais não levarem a um oftalmologista, essa criança não será diagnosticada. E se o diagnóstico só for feito mais tarde, esse olho já não se desenvolveu. Quanto mais cedo você descobrir o problema é melhor, porque existe tratamento para isso. 

Que diferenciais considera importantes no atendimento dos seus pacientes?

Eu tenho uma clínica onde trabalhamos atendendo em quase todas as subespecialidades oftalmológicas. São nove consultórios. O foco é sempre a saúde dos nossos pacientes e o atendimento individualizado. A essência da medicina é cuidar de pessoa a pessoa.

Tem algum marco especial em sua carreira?

Um dos marcos foi a escolha da Oftalmologia e minha inserção no tratamento da catarata. Desde o início, sempre tive muitos pacientes com essa doença, mesmo atendendo outros problemas oftalmológicos. O mundo acabou me levando para isso. Quando me formei, decidi abrir meu negócio próprio, incialmente em sociedade com dois colegas. Depois, cada um tomou o seu caminho. Ao longo dessa jornada, descobri que, se você gosta da profissão, é obrigado a fazer investimentos. É preciso investir no cérebro, isto é, em conhecimento, e também em equipamentos e materiais. A busca de conhecimento me fez ser um ‘rato’ de congressos e cursos. É aí que você encontra as pessoas que estão respondendo às perguntas que você está fazendo e é onde você pode expor os sucessos que tem. Hoje, próximo de completar 80 anos, eu continuo no mesmo caminho, investindo sempre na Oftalmologia. Neste mês de março, por exemplo, tenho quatro congressos, dois fora do país. Continuo lendo, vendo o que a indústria está fazendo. Quantas vezes, nesses 50 anos, parei tudo para ir a um laboratório para mexer com novos equipamentos ou aprender a operá-los. Esse movimento é muito importante. Sem isso, você fica para trás. 

Qual seu segredo para relaxar e manter uma vida saudável?

Você está falando com o ‘mister rotina’. Treino tênis com um professor duas vezes por semana e faço ginástica também duas vezes por semana. Uma hora e meia cada. Tenho uma sala de ginástica em casa, que montei há muitos anos. Faço muita atividade física e sinto uma falta bárbara quando passo muitos dias sem fazer esteira ou musculação. 

Pode contar uma curiosidade sobre você que poucos conhecem? 

Sou bom de garfo e gosto de tomar vinho. 

Tem um filme preferido?

O Poderoso Chefão. Devo ter visto uma 25 vezes só neste mês (risos). É uma bela epopeia. 

E livro?

Se você conhecer a minha biblioteca, vai tomar um susto. São dois quartos com estantes só para os livros. Mas é difícil citar um predileto. 

Que tipo de música prefere?

Ouço música clássica o tempo todo, exceto quando estou jogando tênis. Tenho música no carro, no consultório, no meu escritório de casa, na minha sala de ginástica, na piscina, no meu centro cirúrgico... Na clínica, todo mundo reclama das minhas músicas (risos). Escuto Chopin o dia inteiro. E o Spotify fica me mandando sugestões. Também escuto bastante jazz, aquele mais suave e tranquilo.

Qual foi sua melhor viagem?

Sempre gostei muito da Itália. Cheguei até a estudar italiano. Outro lugar de que gostei demais foi o Taiti. Fui duas ou três vezes para lá. Acho uma coisa fantástica o que a natureza fez naquele lugar.  

Tem um sonho de consumo?

Não tenho. O que eu gostaria é de trabalhar até o fim da vida. A gente vai ter que morrer um dia, não é? Mas se estiver lúcido, andando e pensando razoavelmente, eu poderia morrer no consultório.  

Quais características mais admira em uma pessoa? 

Honestidade e lealdade. Isso vale no trabalho, num relacionamento, na amizade... 

Qual característica própria mais valoriza?

Gostar do que faço e ser dedicado a isso. Sou médico em tempo integral, passo o dia me dedicando à Oftalmologia e estudando. Quando acabarmos esta conversa, tenho um monte de coisas para ler de Oftalmologia. Minha mulher fala: já vai para a caverna? A caverna é o meu escritório. Eu gosto de estudar. 

Tem algum ídolo? 

Eu gostava muito do meu sogro italiano. Ele era da primeira geração que veio para o Brasil e se fez sozinho. Com 80 anos, ele saia às 5h00 de casa para trabalhar e só voltava à noite. Além desse exemplo de disposição e dedicação ao trabalho, ele também me ensinou coisas simples e prazerosas, como apreciar um bom vinho.
 
Se não fosse médico, o que seria?

Talvez algo ligado à Biologia. Mas gosto de ser o que sou: um cirurgião que conversa, examina e opera pacientes. Tive sorte na vida. Escolhi a profissão e a especialidade própria para minha personalidade. Também escolhi a pessoa certa para casar. Deu tudo certo até hoje.

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